24.10.07






Hoje vim falar de clichês. Veja você que, antes de qualquer acusação ou apontamento, usar das palavras para qualquer fim é a primeira repetitividade, o traço mais comum, o solo mais pisado.
Assim, sem levar em conta o parágrafo acima, posso aventurar-me a criticar clichês.
Clichês são feridas que cutucamos para continuarem abertas. É claro, há um algo implícito em tudo para perpertuar uma idéia, um não-deixar-morrer, o levar em frente a causa; o objetivo. Somos grandes repetidores, claro é: água mole em pedra dura, tanto bate que baterá para sempre. Assim são os clichês, uma marca da língua que fere a própria língua, um lembrete de momentos em momentos pela fala, escrita, balbucio, etc, para evidenciar nossa falta de criatividade, na língua corrente, fala, fofoca, debate, e para além disso, para o fim e para a origem, para o desconhecido.
Poderia concluir agora, se quisesse. Mas deixo em aberto para fugir da obviedade, ou, no caso, para pelo menos não me contradizer tanto. Aliás, fujo do ato de concluir, mas não acharia tão ruim contradizer-me, atacar-me, ser acurralada pelo próprio emaranhado vil de dizeres. Palavras, atos clichetescos estão incrustrados nos fiapos da madeira da mesa que escrevo, na folha de papel que arranquei do caderno, na tinta da caneta, na caneta, no escrever - no rabiscar quando erro... É, prefiro deixar sem concluir - isso é quase paranóico.

18.10.07

Sonho




Eu tinha fome, e com os trocados que estavam amarrotados em minha mão - bem apertados mesmo - não podia pegar qualquer coisa, precisava escolher de forma a comer mais pagando com aquelas ninharias. Dois pães médios embrulhados com dizeres que eu não entendia, língua desconhecida. Rasguei a fina embalagem do pão doce, e comi clandestinamente enquanto andava pela loja de quinquilharias - era uma loja bizarra, dessas das lembranças - lembranças sempre são beges, rotas, escurecidas; sobretudo beges - vendia-se tudo por ali: abajures, guarda-chuvas, discos velhos, sofás horríveis... Uma lojinha enfiada em algum lugar da Europa: país europeu, língua desconhecida, país desconhecido. E também havia os pães. Larguei o pão violado em algum canto perdido da minha inconsciência, devolvi a embalagem do pão salgado que não tinha aberto ainda; a embalagem ficou toda amassada. Peguei pequenas torradas que custavam trinta centavos (ou algo que equivalesse a centavos) daquela moeda estranha, daquele país estranho de língua desconhecida. Estas eu poderia pagar e me sobraria um pouco. Fiquei um pouco aliviada e comecei a vasculhar as quinquilharias que davam com as vitrines. Em grandes cestos havia uma papelada velha, revistas antigas, jornais, panfletos de época, fotografias. As fotografias eram antigas, como tudo por ali. Encontrei algumas bem pequenas, tamanho 3x4, estranhas, uma mulher anos 60 sorrindo um sorriso propaganda anos 60, ou 50, sei lá. E outras. Jesus na cruz, Nossa Senhora Aparecida. Esta na Europa, mas o sonho era brasileiro. E outras. Custavam o equivalente de dez centavos cada foto e isso me alegrara muito; eu poderia comprar um punhado de recordação daquilo que parecia um tour pela Europa. Nem escolhi, apanhei um tanto e fui pagar junto com minhas torradas de trinta centavos. No caixa, ou no que parecia ser o caixa, havia uma moça, jovem, minha idade talvez. Loira, européia, talvez. Rosto rosado, corpulenta, norueguesa - já sabia. No sonho, antes de vê-la já sabia que era norueguesa, mesmo sem nunca ter visto norueguês nenhum. Oi, falei para ser simpática; falei em alto e bom português. A moça havia me entendido, como só podia ser possível em sonhos. Travamos uma conversa rápida, disse que era do Brasil, o resto ficou perdido - ou encontrado num lugar oculto. Enquanto isso, a lojinha estava apinhando de gente, e também sabia a nacionalidade de todos os jovens dali. Um jovem magro, minha idade talvez, cheio de si, veio perto de mim; fiz propaganda das fotos 3x4, baratas, recordações desta velha Europa, em português, em alto e bom som, todos entenderam. O rapaz cheio de si, loiro, olhar irritante, pegou o monte da minha mão e o restante que ficara no cesto. Vou escolher, afaste-se, disse ele, ou disse algo parecido - ou não disse nada, mas fez-se entender assim, mudamente...Era sonho, e nos sonhos sabe-se o que se vai dizer e o que se vai escutar antes de ser dito e ouvido, ou nem dito nem ouvido - páira no ar, onírico. Ele ia passando pelas fotos que eu peguei para mim, um Jesus, uma Nossa Senhora; estas eu não quero, fiz-me entender, disse em alto e bom português. Daqui para frente há um abismo, uma lacuna negra. Lembro-me que ganhei uma força terrível, grande, e utilizo de força para bater no rapaz loiro de sorrisos e dentes irritantes. Arranco dentes dando socos, o rapaz cái com sangue e dentes caindo por todos os lados, um punhado de dentinhos branco-amarelados afiados, caindo, juntando-se...

***
Uma espécie de penitenciária, e não era mais na Europa. E, melhor, onírico: eu não estava presa; nem lá estava. Era algo norte-americano, sim, era. Fez-me sentir que era. Travavam uma conversa. Espancamento, do filho de *****, importante de ***** (tal lugar da Europa). Disse que era de Nova Iorque, metida em contrabando de drogas, precisa de ajuda. Tenho que falar com ele.
Então, quem falava isso foi conduzido pelo outro naquela espécie de penitenciária, para encontrar aquele ele que poderia protegê-la por ter espancando o jovem e arrancado todos os seus dentes. Oi, disse ele, oi, repetiu a voz aguda do filhinho dos meus vizinhos aqui no Brasil.

8.10.07

E quando se vê atentamente...

Escrevi no meu diário esses dias umas palavrinhas - típico. Atípico é o fato de ele só ser escrito fortuitamente, em momentos eufóricos e doentios =D ou diante de uma grande impasse que mereça uma reflexão escrita. Assim, meu diário é um "Fortuiário", um "Eventuário", um "Quem sabe um dia eu não escrevo uma canção pra você".
É necessário também, quando vou escrever, de um clima adequado, música, meia-luz, formigamento interno e tudo o mais para sair algo "comível". É realmente um parto. Por vezes, ou melhor, por quase todas as vezes, o que eu posto no meu blog - mais eventual ainda - é tirado de meu diário.
Ora, fui verificar o por quê da minha escassez literária - já que todo e qualquer esboço de livro, conto e etc. ficou esquecido em minhas gavetas.
Há dias aterradores para todos, angústia, um deus inexistente, ou um deus que aponta e ri do alto. Miséria essa ser vivo sem escolher ser, sem saber do mundo que se vem parar. Enfim...E não é que esses dias tinham ou têm tomado muito conta do meu tempo?
Descobri também que não aproveitei bem minhas tristezas criativas para escrever algum conto maluco, alguma crônica assustadora ou alguma letra de música sem melodia; porém, junto a qualquer tristeza, desânimo, veio à consciência de que também não escrevo se não estiver só, de modo que pouco estive solitária. E por que queixar-se de estar só? Ora, qualquer pessoa com um pouco de sensibilidade sabe, sente quando se está em meio a uma multidão e se está só. Há pessoas, mas não há pessoas. O que fazer, afinal? O que fazer? Lamentemos, pois. Mas, tirando essa solidão acompanhada aos montes, há o que se tire da névoa baixa: quem sempre está conosco. Sempre há esse alguém, é impossível ser-se (não sei se "ser-se" existe, em todo caso...) tão só assim, não? Ou sim? Enfim, no meu caso entre os tantos por aí, isso não foi possível. Sempre há esse alguém, sozinha não estou, e, por parte, não escrevi em meu diário por isso.
E por que o fato de eu escrever ou não é importante aqui? O tema da postagem? Ora, de fácil explicação...Há quem goste de colecionar figurinhas, carrinhos, bonecas, sapinhos de pelúcia, bolsas Prada; eu cresci lendo e escrevendo; há quem se liberte andando de bicicleta, dançando, fumando maconha, atuando, chorando compulsivamente, comendo chocolate, gritando; eu me liberto escrevendo. E veja que é algo sutil, meio suave, silencioso, triste. Quase ninguém sabe disso, se todos fossem cientes disso não seria da conta deles e a maioria deles não entenderia muito porque é incomum - atípico...E poderia finalizar com uma nota grave ecoante no chão liso sem ranhuras: Óh, e muitos não entenderiam, muitos menos seriam aqueles que este texto leriam! Mas nada disso...Prefiro enfatizar minha descoberta de que não estou só. Sempre há aquele alguém, sempre.