27.7.10

Três

Se ando pela rua, é sempre tentando acertar meus passos. É inevitável pensar que os outros que andam comigo, ou em minha direção têm rumo definido e passos firmes.
Sou um(a) sonhador(a), e flutuo acima dos meus pés e das minhas expectativas. Com um sentimento nítido de que não sou daqui, permaneço de onde saí. Mesmo não sabendo que lugar é. Um tipo de inércia sem corpo; tipo uma marca de nascença que não se pode ver.
Das grandes indagações que ousei pensar, a que mais pesa é a necessidade de estar sempre indagando sem obter uma explicação, uma boa explicação.
Mais fácil seria se a vida passasse sem a gravidade dessa grande dúvida.
Mas sem a gravidade, não seria atingida a profundidade desejada.

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Estou olhando para fora e, mesmo que não quisesse, posso sentir o cheiro da chuva. A chegada dela me arrepia a pele e faz balançar as árvores.
Ouvi de cinco pessoas diferentes, cinco relatos totalmente inesperados do que possa ser a chegada da chuva.
Perguntaram, na minha vez, qual meu olhar sobre tudo. Dei a entender que o cinzento que tomava o céu não só era amedrontador, como uma força impossível de se deter (sempre incapaz de me expressar verbalmente). Perguntaram-me, então, se a vinda da chuva me fazia mal. "Não. Sobretudo me faz bem. Forças assim que me fazem parar". Não sei o que poderia me deter não fosse uma chuva vindo. Teria que alçar voo noutro momento.

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É a visão de quem tudo vê! A cabeça de quem tudo pensa! O impossível de quem tudo pode fazer.
Ideal bobo e desnecessário(?).

14.7.10

Fragmentado.

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Dentro do metrô é praticamente noite. As vezes em que a máquina passa por trechos descobertos não contam: no metrô só se faz noite, e as luzes sempre estão acesas. Isso dá motivo para aquela lâmpada piscar estrategicamente, conferindo uma aura que eu conheço bem.
Bando de répteis. Isso de “sangue-frio” vai além de um comportamento macabro ou estômago forte demais. Um bando de répteis com rostos cinzas, olhando pro nada, olhando para ninguém. Não se encaram, desviam olhares. Confissão de culpa. É o ar doentio do metrô, do subsolo; como uma pedra quente e um lagarto.
Seguram-se, guiados pela inércia; mecanimanente entram e saem.
Então você disse de súbito (me assustei) que pra quebrar o transe, nem um balde de água fria. Como se lesse meus pensamentos. E lia sim. Éramos dois dos zumbis com consciência.
Estava claro porque não respondi logo; porque não respondi hora alguma. “Tenho certeza que nos conhecemos”, aquela velha sentença. Que lembrava vagamente. Que meu rosto era familiar. Que tinha que.
As pessoas são muito iguais, mesmas fôrmas. Rostos similares passeiam por aí simultaneamente. Criatividade alguma, limitação. Sobretudo ali; ali são cinzas. Todos os gatos são pardos.
Podia ser que já tivéssemos nos cruzado pelas ruas, cada qual fitando o chão. Natural. Você sorria, havia descoberto um continente. Ou melhor, havia notado alguma similaridade. Algo que lhe chamou a atenção. Queria ser cúmplice. Lançar um olhar que só eu conseguiria ler.
E então você desceu na próxima estação.

***

Tento te explicar o que é azul.
Mostro o céu ( que hoje, em particular, me ajudou na exemplificação),
“É o azul que o colore”.
“O azul é azul?”
“É.”
Então você pegou o carrinho do bolso, azul. “Este também?”
“Também”.
Mais uns vinte objetos apontados aqui e ali.
“Também”.
Tapeação barata:
Não sei como é o azul de fora pra dentro dos seus olhos.

***

As mãos são instrumento de trabalho de toda gente.

***
Te avistei e logo a pulsação subiu. Não saberia o que falar, como começar. Iria gaguejar.
Nós, tímidos um do lado do outro. Desconfortáveis. As palavras certas eram erradas se proferidas naquele instante a além. Entonação. Resposta. Quero saber o que você pensa, quero invadir. Você o mesmo, é certo. Mas não há espaço. Quanto mais perto ficamos, mais o ar se torna rarefeito e as frases ridículas. Pelo menos é um ar com significado. Muito dele. Mas, difícil de respirar para ambos.
Aquele estar sem graça de sempre. Eu saio e você.
Nunca nos entenderemos (?).

***

Tenho para mim que não vai além de uma piada ruim.
Acordei com a palavra “raiz”, na cabeça; uma fixação que vez em quando me apodera. Fixar-me numa palavra.
Mas daí ela vai aparecer o resto do dia.
Não que eu fique caçando “raiz” em qualquer letreiro por aí.
A palavra vem atrás de mim e sempre me alcança.

6.7.10

Uma prosa.

Não te é permitido invadir meu espaço. E, sim, é de uma circunferência particularmente grande. Não entenda mal: mesmo rodeado de pessoas até às orelhas, sufocado e esbarrando nelas, há uma imunidade que me torna surdo perante a. Então, não conseguirá invadir, furar a bolha plástica que moldei em banho maria e tormentas emocionais.
Pode ser que eu te escute sim, porém teria que retirar os fones de ouvido. Só então eu seria capaz de me concentrar no que quereria me dizer. Como dentro d'água: não dá pra ouvir, é abafado, disforme e sem sentido. Que diabos, pra quê falar debaixo d'água?
Eu sei quando vêm me falar. Não que eu "sinta", nem nada tolo assim. É o foco de quem vem, o olhar que me cutuca mesmo que eu esteja de costas; talvez um magnetismo desagradável. Assim você veio, com o foco tão nítido que talvez tropeçasse, mas não o fez. Dada a situação desagradável que viria, eu sabia, e automaticamente criei minhas listas de respostas, todas elas culminantes em negativas. Soubesse que de mim emanava tamanha repulsa, você cairia fora. Mas não.
Particularmente detesto conversas, geralmente elas têm um formato a ser seguido em que me sinto com três pernas, quase sempre. Há um momento em que se deve ouvir (daí fazer um olhar intrigado do "ouvinte", e o outro de resposta (que acompanha o olhar da assimilação do que foi dito). Tudo isso cansa demais os músculos do meu rosto. E é por isso que hoje em dia tenho sorrisos falsos: meus músculos faciais não aguentaram tamanho halterofilismo.
Sorri uma, duas vezes. Você notou meu desconforto e foi para o assunto principal, o que queria dizer de início. O que você não suspeita é minha inflexibilidade, ora, uma pessoa metódica como eu: com a mania de passar três vezes a manteiga no pão. Direita, esquerda, direita. Sempre assim, não tente mudar.
Leitura labial. Não te ouço, me perdi já. Talvez tenha gastado muitas palavras pra expressar algo simples. Se houvesse como, era só rebobinar a fita, tentar simplificar a gagueira.
Me vi acenando. Detesto que o façam, mas sempre olho dessa forma. Ridículo, você saiu com empolgação demais, como quem teria saído por cima. Mas você sabe que não. Você sabe.