8.3.09

gradiente.


Olhar as pessoas, suas texturas e gestos, passos e caras era certamente interessante. Não notara a enormidade de cores! E mais: o turbilhão de cores. Uns, pastosos, beges; deixando seu rastro molhado bem fixo pelo ar; outros solares, amarelos, brilhantes, vermelhos, verdes, verde-musgo sacal, azuis... Olhar nunca fora uma atividade tão interessante depois que seus olhos se tornaram cintilantes.
Sinceramente não sabia o momento exato da mudança. Notou que acordou com o estômago em pulos, umas convulsões estranhas que lhe davam cócegas pelo corpo. Pensou que fosse um ataque de ansiedade, desses que faziam necessária uma dose de um tranquilizante. Não, não havia a fadiga e o coração apertado; daí só esperou alguma mudança antes de tomar qualquer medicamento. Mas as cócegas lhe davam um certo prazer, ou algo que não sentia há um tempo considerável.

No meio de seus devaneios reparou nos vórtices coloridos, brincando com seus olhos. À princípio prendeu a respiração de susto: como não notara aquela claridade absurda? Confundiu o ato de respirar com o de olhar. Nunca se afogara com tanto ar tragado pelos seus olhos! Que sensação familiar era aquela?

Desde então, aquilo se tornara uma prazer. Não como um hobby, entendam. Mas um prazer particular. Como a descoberta do mundo. Mas era tudo tão familiar, como uma lembrança infantil, ou alguma lembrança fortemente obnubilada. Mas por que? Quando? Era como se nunca tivesse se sentido de outra forma antes. Outra vida? Certamente não acreditava nisto. Mas uma vida diferente. E era tão divertido, tão pacífico que temia uma mudança brusca, como quem acorda ao cair da cama. Temia profundamente.
Apesar disso, os dias passavam indefinidamente cheio de sensações engraçadas, cores e formas, luzes e movimentos. Via, cônscio, um diálogo rolar com suas caras e bocas: espanto, dois movimentos com o rosto (dizendo que sim), bocas abertas, risos, pausas certas, olhares. Os movimentos inconscientes das mãos descrevendo.
Era tudo melodioso. Harmonioso. Congruente.
Temia profundamente a nuvem cinzenta, a catarata que fora arrancada de seus olhos. Chegava a ser uma perversidade de quem seja que tivesse lhe cedido isto. Mas era tão bom... Tão claro e singelo...

Um comentário:

Bella disse...

Seu blog é muitíssimo interessante! Já está nos favoritos, muito obrigada pelo comentário seja sempre muito bem vinda! BJks