13.4.14

Mundo velho

O casal de tios chegou à casa, por volta da hora do almoço, sem avisar da visita. Chegaram com roupas um pouco puídas, como quem não queria chamar a atenção. Foram descarregando o carro, algumas vasilhas grandes repletas de comida, que o tio empilhou antes de entrarem à casa.
Os anfitriões velhos de guerra os receberam acaloradamente como uma solução ao domingo que, chegado a sua metade, podia tornar-se um pouco melhor e menos tedioso. "Entrem, entrem!" com surpresa e entonação animadas de muitos anos de visitas e recepções.
Ao que todos da casa haviam sido pegos de surpresa, não havia mesa posta nem nada pronto para o almoço que, em domingos corriqueiros como aquele, era servido tardiamente; como tardios, lânguidos e arrastados iam todos os domingos ao seu fim.
Que coincidência, aquela. Haviam perdido viagem, foram visitar a filha e, descobriram depois da longa fila dominical, que esta estava de "castigo" e que não poderia receber visitas. Então toda aquela macarronada não seria em vão.
A anfitriã tratou logo de preparar a mesa, consentida a partilha do almoço a fim de evitar desperdícios. Que coincidência.
Era suco? Refrigerante? O que era aquele líquido âmbar dentro da garrafa pet? Então explicaram que as garrafas de plástico só entravam sem rótulos. Alimentos, somente em duas embalagens transparentes de plástico. Balas, apenas desenroladas do invólucro de papel, papel higiênico, sem o cilindro central de papelão. À prova de.
Os pontos dolorosos daquela visita que falhara eram tratados de forma casual; a tia espantava com a mão, como quem espalhava o assunto para fora da mesa, quão sujo era.
O almoço transcorreu suavemente a partir dali, entre conversa sobre bispos e paróquias e notícias sobre familiares. Então todos, satisfeitos e separados por gêneros, partiram para conversas mais íntimas enquanto digeriam o dia e o almoço.
O vento da tarde assoprava o tédio denso para dentro da casa e, por volta de duas ou três horas depois, café fresco fora colocado sobre a mesa e mais um vasilhame fora aberto; agora, com bolo de chocolate.
Em alguns lugares e, dependendo de quem estava de plantão, qualquer conteúdo das vasilhas era perfurado em busca de algo suspeito.
O aroma do café invadia o ambiente e inebriava os presentes. Um calmo comentário ou outro sobre o que estava passando na tv, apesar da energia pulsante que o café lhes causava.
Mas souberam da morte da fulana? Não souberam, mas receberam a notícia, ali, naquele instante, com a serenidade dos anos. Tão jovem, que pena era. Lembravam-se dela, é claro. Havia causado trabalho à mãe adotiva porque era arredia, rebelde. Morrera sem dentes, magra. Deram-lhe os sintomas como palpite da causa, mas não ousaram nomear o mal.
Estava tudo suspenso no ar.
Sim, lembrava-se dela, disse o anfitrião. Meninada bonita, era aquela. E rebeldes... Acabaram saindo de casa, se afastando. E a pergunta pairava no ar, que mal tinham cometido?
Pausa e métrica ao falar. A nostalgia subia com os vapores do café e se misturavam ao torpor do domingo.
Os hiatos, comuns àquela altura da vida, eram cheios de significado e peso.
Que mal tinham cometido até aqui?