15.9.08

Loucura - dois textos

Na casa ao lado há uma louca. Não sei quando aconteceu, mas sei que tornou-se: adquiriu a loucura de boca e braços abertos. O irmão cuida da louca; desfez até casamento por causa da anciã.

A louca tem crises estranhas de tosse, uma tosse forçada - parece-me que pelo intuito de arranhar a garganta. Ela canta músicas religiosas das mais antigas (católicas, portanto) e quando está em dias de agravamento as músicas tomam sons gritados e agudos. Acessos de loucura, a mais inocente.

O nome da louca eu não sei, talvez nem ela própria.

(A louca está sonhando)

Caso despertasse, seria traumático retornar à sobriedade do sono sem sonhos.


... ... ... ...

Pensou estar enlouquecendo; riu. Experimentou arregalar os olhos até ter a visão embaralhada, confusa. Umas luzes passaram na sua cara, um vento. Sentiu medo quando seu cabelo balançou. A fala, nada dizia. Tentava, mas falar não parecia necessário, ou possível. Não faria nada, seu corpo não lhe obedecia. Com muita atenção, observou. Divertiu-se.


...


Era um sonho? Quando acordou, continuava dormindo.


... ... ...


Matematizou seus passos, quantos seriam para o mínimo andar. A cidade, seus prédios de mil janelas contáveis, tubulações, muito concreto, ferragens, dimensões. Para o lado, para o fundo, para cima. Sustentação, dilatação, expansão. Estrutura. Rua: tráfego, fluxo, gradiente. Um vai-e-vem compensante; lotações, percentagens, população. Números. Pontes, brutas, rijas. Passos, trajetória, tempo, velocidade. Aceleração. A fábrica: produção, produtividade. Eficiência. Produtos, oferta, venda, compra: salário. Oferta, procura. Sistema econômico. Bolsa. Dólar. Alta. Números.

O erro. O equívoco. O humano irremediável. O choro, o tropeço. A cidade que ruiu, o prédio que cái, ferragens distorcidas. Para o lado, para o fundo, para cima. Esse cubo imaginário!

Sustentação que não aguenta. Dilatação, expansão: rachaduras comprometedoras. Desestruturação. Rua: trânsito: fluxo contido, sem diferenças de potencial. Filas intermináveis, carros parados. Superlotações, superpopuloso. Percentuais homicidas, estatística. Números. Pontes partidas, rijas demais. Ressonância. Desaceleração, velocidade que se reduz, passos que se contém. Tempo perdido. A fábrica: a quebra, a baixa demanda. A procura, a oferta. Sistema econômico: Bolsa. Dólar. Queda. Números.

O humano irremediável, o ilógico necessário. Pensou estar enlouquecendo; riu. Experimentou arregalar os olhos até ter a visão embaralhada, confusa. Sentiu medo. Divertiu-se. Continuava dormindo.

13.9.08

Post antigo, um tanto quanto...

Adoro coisas corriqueiras como ruas e ônibus. Sou bastante visual e suscetível a sentimentos, a sentimentalidades. Assim, um cordeiro branco pode ser visto como um lobo faminto algumas vezes, e vice-versa (caso haja avesso para isso).

Gosto bastante de lugares-comuns, são meus preferidos a serem criticados, usados, prostituídos. Por isso o ônibus e a rua; não como temas proletários ou lutas de classes, mas simplesmente por existirem várias linhas e vários bairros. E neles, pessoas, muitas.

4.9.08

Jogo de luzes



Era medíocre, pensava enquanto trabalhava. Medíocre, enquanto chegava em casa; medíocre, empatado(a) no trânsito. Pensava, no supermercado, na rua, no banho, indo dormir.

Sorria sempre: era medíocre. Nem bom(boa), nem mau. Explêndido, abjeto. Mediano(a). Um(a) herói (heroína) humilde; andar difícil, este do caminho do meio. A luz sempre era clara nos seus olhos, mas era ofuscada pelos holofotes dos megalomaníacos. Os vis, estes apontavam para suas próprias caras taciturnas. Ao contrário, ria, chorava. Aplaudia, criticava. Mediava.

Altíssimos! Especialíssimos! Gélidos... Infames...

Era senão isto: homem/mulher. Era senão.

Os reis eram louvados; as princesas, admiradas; os gênios, respeitados. Os miseráveis, marginalizados; os mal-afeiçoados, chacotados; os tolos, depreciados.


(...)


E na escuridão/claridade pairava uma multidão de pessoas, cobras rastejantes, anjos flutuantes. Em sua medida com a lei, com os amigos. Inteligências progredidas e estagnadas; contas pagas e novas dívidas. Um equilíbrio sutil. Ele/ela pairava junto, e na grande massa, enorme, faraônica, não era nada, era reles, era ridículo(a).