16.7.13

Morte em linha reta

Sempre que precisava andar com a mulher grávida na rua, para algum compromisso a que era convocado, Adão parecia andar como quem tinha duas pernas esquerdas.
Desde que ela engravidara, desde a noite fatídica em que ela dera a notícia de sua gravidez, Adão sentia-se embriagado e fora de si. À parte. Aquela vida não era a dele e, por isso, seria um expectador, olhando do alto. Enquanto isso fazia tudo com desastre, sem prestar atenção. Sua mulher o guiava. Benzinho, você esqueceu a mala de emergência no carro, coisas do tipo.
Assim se passaram os meses, os torturantes meses da gravidez. Tudo era um grande evento em que Adão se sentia um pino deslocado. Havia firulas, chás, compras sem fim, listas e mais listas de nomes para o bebê. Adão opinava em vão.
Essa seria a consulta para que marcassem o parto. Nascimento programado. Ela estivera a semana toda empolgada com as datas em que possivelmente se completariam as semanas de amadurecimento do bebê. Algo sobre signos, horóscopo. Adão se tornava cada vez mais ansioso, não sabia a razão. Era involuntário.
O médico, atencioso, disse que dali duas semanas o bebê podia nascer de cesariana. Era mais seguro. Assim, os pulmões estariam já maduros, no que Adão pensou em duas pêras pneumáticas, amarelinhas e suculentas. E o bebê engordaria. A imaginação de Adão ia longe.
Porém, disse o médico por fim, porém o bebê pode vir naturalmente, mãe. O médico não discursava ao pai. Era sempre mãe, mãe, mãe.
O bebê poder vir naturalmente assim que se completarem as semanas. A qualquer momento. Quando você sentir um líquido “estranho”, dores, contrações... mas a atenção de Adão se fora assim que o médico proclamou a sentença. A qualquer momento, naturalmente.
Ora, a Natureza não tem tempo, Adão, disse pra si. Isso não faz sentido, não faz! Os neurônios dele fritavam feito shimeji na manteiga. 
O médico se referia a ele agora - pai, fique atento aos sinais. O médico fechou os olhos poucos milímetros, mas Adão tinha boa visão, ah, se tinha. Notou a ameaça velada, fique atento aos sinais e, em qualquer sinal de trabalho de parto, corra pro hospital. A qualquer momento, pai, a qualquer momento assim que se completarem as semanas.
Aquilo não fazia o menor sentido. A imaginação de Adão ia longe. Iremos sentar, comer, tomar banho, cortar as unhas, dormir e esperar. Ficar atentos com o tempo natural da Natureza. Então o nascimento, que não tem segredo nenhum, veja você, até agora, é feito uma morte ao contrário. Riu. Otário. Claro - claro – que o nascimento é a morte ao contrário.
Vou ficar preparado como um corredor fica inclinado na largada, pensou.
Seu cérebro deu um estalo. Não, fora só um insight medonho. Mas pensou ter ouvido o estalo. Então é assim, vida? Sim. Estou esperando a morte ao contrário do meu filho enquanto a minha própria – morte em linha reta, no caso – eu não sei quando vem. Mas vem. É natural, no tempo bizarro de ponteiros loucos da Natureza. E agora, e agora?
Levantou-se. O médico, que ainda discursava para a gestante, parou para fitá-lo. Sua mulher virou para olhá-lo com um rosto interrogativo.

Doutor, gostaria de marcar meu parto ao contrário. 

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